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Textos

Reflexões da artista sobre o trabalho Intervalo de Tempo

2015

por Ana Lucia Mariz

Veja também a galeria Intervalo de Tempo.

 

Quando me deparei com uma fotografia perdida numa caixa cheia de fotografias amontoadas numa empoeirada e caótica loja de antiguidades em Atenas, senti uma imensa curiosidade, a imagem me tocou, me fez parar, olhar com calma. Senti uma sensação de Tempo congelado, como os relógios inertes, pendurados nas paredes daquela loja. Este foi só o primeiro momento, que rapidamente foi substituído por um sentimento que me perfurou.

 

Mais tarde, quando reli a “Câmara Clara” de Roland Barthes, senti a mesma sensação engraçada na espinha, quando ele cita o retrato de Lewis Payne a espera de seu enforcamento dizendo: “isso-foi”, “observo com horror um futuro anterior cuja aposta é a morte. Ao me dar o passado absoluto da pose, a fotografia me diz a morte no futuro”.

 

Voltando aquele momento que estava parada na loja em Atenas na frente de caixas repletas de fotografias velhas e abandonadas e olhei uma fotografia nada especial, mas que me chamou a atenção, me fez parar e olhar para ela mais do que meros segundos.

 

Uma foto simples de duas crianças pequenas de mãos dadas numa rua com uma paisagem que não nos diz nada, ao lado um homem numa posição de quem não está posando e ao fundo o detalhe de um calhambeque estacionado.

 

Atrás, escrito a lápis já bem fraco a data: 1938.

 

Acho que foi no momento em que olhei a data que algo me perfurou. Apesar de já ter intuído isto pelas roupas que as crianças vestiam.

 

A menina, a criança mais nova da foto, nasceu antes do início da 2ª Guerra Mundial, está foi a informação que fez eu perder a respiração. O que teria acontecido com aquelas crianças durante a guerra?

 

Ela pode ter morrido na guerra ou ter morrido na vida adulta ou estar viva até hoje. O que teria acontecido com aquelas crianças, porque a imagem estaria abandonada numa loja de antiguidades?

 

Além disto, o que me tocou na imagem escolhida foi a constatação de que aquela imagem não tem memória, é o que chamei de imagem muda.

 

A luz que queimou a prata daquela imagem não existe mais, assim como o negativo, não existe mais, e a memória da foto, também não existe mais.

 

Nos textos de Didi-Hubermann, ele fala que diante das imagens, estamos diante do Tempo.

 

Sim, aqui na imagem que me emocionou, percebi que havia um Tempo contido, ou seja, lá haviam muitos tempos condensados, pressionados, aguardando uma chance para se manifestarem.

 

Vejo estes Tempos da seguinte forma:

o tempo do instante, o momento que foi tirada a foto;

o tempo potente, o tempo em que esta imagem esteve num álbum de família;

o tempo do intervalo, o tempo que a imagem esteve a ser esquecida guardada em caixas de ninguém;

o tempo do resgate, um momento ínfimo, quando a imagem tem a chance de ganhar significado novamente;

e por fim, o tempo incerto, que é o futuro, que contem as emoções que aquela imagem vai produzir ou não, em quem a verá

 

O problemática que se lança é oque é esta imagem diante de todas as imagens guardadas em caixas de ninguém?

 

O que faremos com as imagens mudas, serão resgatadas ou continuarão em lojas caóticas abandonadas?

 

Estas imagens se resgatadas conseguirão provocar emoção no tempo incerto?

 

Para acrescentar uma questão aos pensamentos abordados, construí um negativo da fotografia. Não um negativo de prata e luz, nem mesmo de pixels. Fiz um bordado em tecido preto e linha cru (é claro, uma alusão ao preto e branco), bordei a cena da imagem retirando as pessoas retratadas. Não existe mais a memória daquelas pessoas, nem daquele instante.

 

Este negativo construído por mim, não conta historia nenhuma, apenas guarda a memoria do fazer. No negativo/bordado, o Tempo deixou de ser relevante, o Tempo do pensar, sentir, olhar, foi substituído pelo Tempo do fazer, ponto após ponto costura nossas próprias lembranças, tenta desesperadamente imaginar, se enganar, que nossas memórias não serão um dia perdidas.

 

Ana Lucia Mariz, 2015

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