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Textos

Herbário Baldio

ato de (re)velar imagens insurgentes

Da latência de tempos e histórias soterrados sob o ocre terroso que emula o solo da urbe, emergem espectros da vida natural reivindicando, como imagem, a perenidade que a invenção da fotografia ousou propor para espanto dos seres conscientes da sua transitoriedade.

 

Entre o desejo da eternidade e a consciência do transitório, assenta-se este Herbário Baldio, nova pesquisa poética da artista visual Ana Lucia Mariz. Recorrendo aos primórdios da invenção da fotografia, Mariz se inspira nos photogenic drawings do pioneiro William Henry Fox Talbot (1800–1877) e nas experimentações com cianotipia da botânica e fotógrafa Anna Atkins (1799–1871), para trazer à luz, sem o uso de câmera fotográfica, uma história de minúcias e resistências – decorrências do processo acelerado e desordenado de mutações de São Paulo ou, como diria o geógrafo Milton Santos, a acumulação de tempos desiguais que permeia o espaço de uma cidade.

 

Artista de olhar agudo e inquieto, Mariz cria esse herbário poético de grande enlevo pictórico como quem nos indaga: – Como se move uma cidade? Como a natureza se converte em geografia tecendo raízes de concreto, armando-se e sobrepondo-se às entranhas da natureza (in)domesticável e sagrada?

 

Uma cidade, afinal, resulta na soma de camadas, estrias, paisagens, imaginários, paixões e dores. Geografias e esgares a espelhar os desejos e as pulsações que por ela vagueiam.    Provocada pela vida sensível da cidade, Mariz segue o conselho dado por Marco Polo ao poderoso Kublai Khan, em Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino: De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas.

 

Ao coletar folhas, sementes, flores e troncos de plantas remanescentes de terrenos em fase de demolição em São Paulo, a artista agencia uma espécie de discurso de supervivência dos elementos marginalizados e ocultos da história da transformação da urbe. O intento revela-se como uma experimentação arqueológica e botânica no caos de São Paulo. A busca da artista é desenhar uma outra geografia, sensível e inesgotável para as pequenas coisas vivas, sobreviventes na rugosidade dos tempos. Pequenos ramos e estruturas de uma origem longínqua de espécies botânicas, soterradas por cimento e ferro, ganham um novo ciclo de vida ao se materializarem em forma de imagem-aura.

 

Os corpos vulneráveis dessas espécies vegetais brotam da terra, agora vertida em papel, no instante decisivo em que a artista os pressiona contra a superfície e, com uma lixa, cuidadosamente os decalca. Eis que os corpos baldios se transmutam em imagens-aura. Invertendo o processo fotográfico, no qual classicamente a luz soma-se para transformar a superfície fotossensível, Mariz dá à luz pelo processo de subtração da superfície, como quem desenterra o que estava no limiar do desaparecimento.

 

Por meio desse processo poético-político, a artista interpõe um olhar crítico à racionalidade do capital e dos processos de industrialização para demarcar, no baldio da geografia, o atravessamento de muitas existências: arte de levantes paradoxais que geram imagens insurgentes, esses corpos voláteis que ora almejam ser o corpo perene de uma fotografia.

 

Eder Chiodetto e Fabiana Bruno

Fotolivro
Herbário Baldio

Eder Chiodetto
e Fabiana Bruno

O futuro presente_2006

Agnaldo Farias

Série
Intervalos no Tempo_2015

Eder Chiodetto
e Fabiana Bruno

A noite dos tempos e o rosto verdaccio

Diógenes Moura

Reflexões da artista sobre o trabalho Intervalo de Tempo

Ana Lucia Mariz

Colapsos Invisíveis_2012

Mario Goia

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